quarta-feira, 21 de março de 2012

Confissões de Felix Krull - Thomas Mann


Amanhã, dia 22 de Março de 2012 é dia de Comunidade de Leitores na CULTURGEST e a obra em causa é "Confissões de Felix Krull - Cavalheiro da Indústria" de Thomas Mann.Escrito ao longo de anos e anos, este romance ficou inacabado, o que não prejudica em nada a sua leitura. Muito próximo do género "pícaro", Thomas Mann, como sempre, tudo subverte e tudo põe em causa. Felix, o Wunderkind, aquele que tem a felicidade cunhada no próprio nome, é um jovem e mais tarde um homem, de muitos rostos e personalidades, eternamente "moldado" às circunstâncias em busca do prazer.
Aqui fica um excerto:
"Das coisas delicadas e fluídas, convém falar com delicadeza e fluidez; por isso formularei aqui, com precaução, uma observação acessória. Em resumo: a felicidade só se pode encontrar nos pólos extremos das relações humanas — onde as palavras não existem ainda ou onde já não existem — no olhar e nos abraços. Só lá se situam o incondicional, a liberdade, o mistério e o entusiasmo irreprimível. Tudo o que existe no intervalo, como contacto e relações sociais, é tíbio e fraco, determinado, condicionado e limitado pelo formalismo e pela tradição burguesa. A palavra, aí torna-se senhora — a palavra, essa intermediária baça e fria primeiro produto duma civilização domesticada e moderada, e tão totalmente estranha à ardente e muda esfera da natureza que cada vocábulo é, de qualquer maneira, uma frase por si e em si.
Digo isto eu, que, contudo, tento modelar a história da minha vida e ponho todo o cuidado possível em dar-lhe uma expressão literária. Entretanto, o meu elemento não é a comunicação verbal, porque o que me interessa verdadeiramente se afasta dela. Sinto-me ligado, de preferência, às regiões mais extremas e silenciosas das relações humanas. Em primeiro lugar, àquelas em que a estranheza e a ausência de qualquer relação burguesa mantêm ainda um estado primitivo, onde os olhares se casam irresponsáveis, numa sonhadora impudicícia. Por fim, a outra esfera, aquela em que a união, a intimidade, levadas até ao paroxismo, restabelecem, da maneira mais perfeita, esse estado mudo e primitivo."

quinta-feira, 8 de março de 2012

"Morte em Veneza" de Thomas Mann


Hoje, dia 8 de Março de 2012 é dia de Comunidade de Leitores, na Culturgest. O livro?
"MORTE em VENEZA" de Thomas Mann
Aproveito para retirar um excerto do capítulo dedicado a este autor do meu livro "A Infância ´um Território Desconhecido", edição Quetzal, Lisboa, 2009
"Em 1901, depois de se ter livrado do serviço militar, Mann publicou “Os Buddenbrook: Decadência de uma Família”, uma saga em dois volumes, para a qual se socorreu das memórias e relatos da sua própria família e da sociedade da sua cidade natal, Lübeck. O livro acabou por ser considerado escandaloso e muitos habitantes seus conterrâneos sentiram-se atingidos naquelas páginas. Chegou a haver uma lista que identificava as personagens com os nomes de pessoas reais e , por alturas da ascensão do nazismo, as críticas a Mann foram subindo de tom. (É preciso não esquecer o facto de que a sua mulher, Katjia, era meio-judia.)
Mann viajava bastante e trabalhou arduamente enquanto esteve em Itália com o irmão, Heinrich, entre 1896 e 1898, continuando a utilizar material autobiográfico, aquilo a que chamava “os símbolos zelosamente urdidos da sua vida”, como explicou numa carta ao seu editor. Tanto “Tonio Kröger” (1903) como “Sua Alteza Real” (1909) reflectem uma vivência pessoal, as ideias sobre a arte e o artista e o seu papel no mundo, muito influenciadas pelas leituras de Friedrich Nietzsche, principalmente na antinomia, estabelecida por este último, entre arte e vida. Enquanto produzia “Sua Alteza Real” que segundo ele, seria o romance alegórico da “irreal existência simbólica”, preparava-se para escrever uma novela sobre Goethe, um romance sobre Frederico, o Grande e uma recreação do mito de Fausto. (Este último projecto só ficou concluído depois da II Grande Guerra , em 1947).
Quanto aos dois primeiros são habilmente aproveitados e incorporados em “Morte em Veneza”. A personagem Aschenbach – a quem Mann chamava “ o meu falecido amigo” – diz-se autor da “prosa épica vigorosa e lúcida sobre a vida de Frederico, o Grande” e refere outros títulos que, ironia à parte, poderiam ser do próprio Mann, incluindo a “poderosa narrativa “O Abjecto” que ensinou, a uma geração agradecida, que um homem é capaz de tomar uma resolução moral mesmo depois de ter mergulhado nos abismos do conhecimento” . (Seria exactamente devido à força que lhe advinha desse conhecimento que ele podia olhar Tadzio e tantos outros rapazes sem levar avante o acto da sedução mais crua).
Outro aspecto curioso é que Mann, ao descrever a obra de Aschenbach, os seus fins literários e as suas preocupações, faz o papel de crítico de si próprio. Com enorme desfaçatez, fala do “peso da genialidade”; ele tinha bem a noção do seu valor como escritor e acrescenta, “ a alma de Aschenbach… desde muito cedo que estava predestinada para a fama… e o seu engenho estava calculado de forma a ganhar a adesão do público em geral bem como a admiração, tão simpática quanto estimulante, do conhecedor”.

E, mais à frente:
"Já foi dito que esta novela, que se tornou uma das peças mais importantes da Literatura do século XX, é largamente autobiográfica e que surgiu a partir de uma sucessão de acontecimentos na vida de Thomas Mann que, aliás, escreveu o seguinte: “Não inventei nada em “Morte em Veneza”. O “peregrino” no North Cemetery, o horrível barco em Pola, o homem dissoluto encanecido, o gondoleiro sinistro, Tadzio e a sua família, a viagem interrompida pelo extravio da bagagem, a cólera, o mangas de alpaca pomposo na agência de viagens, o cantor de baladas rasca, todos esses e mais os que quiserem, estiveram lá. Eu limitei-me a dispô-los da forma a mostrá-los o mais estranhamente possível, em prol da composição”.